quarta-feira, 6 de março de 2013

Você sempre estará aqui.

No dia 6 de março eu sempre lembro de você, na verdade não esqueço em nenhum dos outros dias. Sua cadeira ainda está no mesmo lugar, sento nela toda vez que passo por lá.
 
Eu dormia antes da minha mãe ajoelhar do lado direito da cama e me acordar para contar. Preferia ter continuado dormindo todo o tempo, só queria fechar os olhos por 1 minuto e acreditar que era uma mentira. Para aquela situação, o importante não era o que acontece na vida, era como íamos lidar com isso naquele momento.
 
Não chorei na época, não tinha porque fazer isso, eu acreditava em milagres e ainda acredito, mas agora eu sei que eles acontecem só quando podem acontecer. Tudo acontece quando deve acontecer.
 
Você tinha 63 anos, toda a paciência do mundo, uma casa, uma família, dois filhos e dois netos, amigos, um escritório e um diploma de direito. Mas nem sempre você fazia tudo direito e isso era bom. Tinha um carro, um apartamento na praia, tinha também que levantar cedo todos os dias e fazer leite pra sua neta antes de levá-la no colégio, sabe o que mais você tinha? Câncer.
 
Foi a primeira vez que conheci melhor “isso”. Antes não podia dizer que não gostava, nem sabia ao certo o que era, mas eu soube, e não gostei. A minha revolta não era passageira, é mais realista dizer que ela será eterna.
 
No banco de trás do seu carro eu me sentia segura, nada de ruim poderia acontecer quando você estava por perto, tudo ficava sob controle.
 
Nós éramos iguais, você ria de tudo, e ria de mim porque eu falava errado quando era pequena.

- O que é isso que você está comendo, Ju?
- É “pudinho” que a vó comprou no peralta.
 
“Pituquinha” e “pinduca”, só você me chamava assim, eu nunca mais ouvi isso. Odiávamos velórios e então, quando tinha algum, você comprava ameixinhas e nós ficávamos no carro comendo e conversando. No shopping sentávamos no banco e riamos de todo mundo que passava, você adorava rir dos outros e eu adorava você.
 
Ainda tenho a caixinha de madeira que você me deu para guardar coisas especiais, ela é especial e nela tem sua foto, sua carteira da OAB e o bilhetinho que você me escreveu, ele é exatamente assim:
 
Jovial, alegre, feliz;
U
ma flor ainda em botão;
L
eva ao acaso tudo o que diz;
I
gnora, ainda, o que seja “razão”;
A
ma sem saber que ama;
N
ada na cabeça e tudo no coração;
A
ssim é que te vejo, Juliana.
(Ernesto 10/95)
 
Não havia uma única palavra que não soubesse me explicar, você era inteligentíssimo e esperava o mesmo de mim. O melhor que eu fizesse nunca era suficiente, lembra disso? Uma nota 10 era o máximo que eu podia tirar, e tirei, mas depois daquela prova teria outra e você queria um 20, porque eu era capaz de conseguir isso. Eu era capaz de fazer qualquer coisa porque você acreditava em mim e o simples fato de você acreditar já era a ajuda que eu precisava. Me tratou sempre como se eu fosse uma princesinha e era assim que eu me sentia quando estava com você.
 
Nunca levantou a mão para mim e se tivesse levantado, bateria sem me machucar, mas machucou sem me bater. E você não teve culpa nisso, eu sei. Mas doeu muito, foi bem difícil. E essa dificuldade começou nos dias em que eu te ligava no hospital e você chorava quando ouvia a minha voz, você queria voltar pra casa e poder me ver. E era lá que eu também queria te ver, me perdoa, eu não tinha coragem de ir ao hospital. Mas hoje eu não sairia de lá. Quando recebi a ligação, eu chorei tudo o que não tinha chorado até aquele momento. E orei por você.
 
Dias depois nós nos encontramos, você se lembra? Acho que não. Embora tenhamos nos encontrado você não me viu, mas eu te vi.
 
E você não sabe como foi estranho quando entrei ali, estava lotado e todos esperavam por mim. No telefone minha mãe já tinha me deixado avisada, eles sabiam que éramos grudados e a minha reação causava curiosidade. Foi bom saber que as pessoas olhavam para mim e lembravam de você. Todos disseram que sentiam muito, mas eles não sentiam como eu. Se era muito para cada um deles, ninguém chegou perto de saber o que foi para mim. Fiquei sem coragem de chegar perto de você, não sabia o que fazer, nem como te olhar e eu tinha medo. Sabe qual foi a primeira coisa que eu disse pra Paula? “Vou pro carro com o meu vô!”, mas me dei conta do que tinha falado. Ela ficou sem graça e me abraçou.
 
Quando percebeu o meu receio, disse que ia junto comigo até você e ficaria do meu lado direito para que ninguém conseguisse me olhar enquanto eu ficasse ali parada. No tempo em que estive do seu lado não soltei sua mão e mexi no seu rosto algumas vezes. Vi o tio Marcos chorar, eu nunca tinha visto e nunca vou esquecer essa cena.
Hoje você tem mais um neto e um genro. Eles não tiveram a mesma sorte que eu e você também não teve. É importante dizer que os dias têm sido e sempre serão incompletos sem a sua presença.
 
Queria que você me olhasse e visse que eu cresci, acho que ficaria feliz. Ano que vem me formo na faculdade e já achei uma resposta para a sua pergunta, vou ser redatora publicitária. E se hoje eu consigo concluir uma frase a culpa é toda sua, foi você quem gostou de escrever primeiro, e como eu gostava de você, quis aprender a fazer igual.
 
Você não pôde lutar contra o câncer, já era tarde, mas eu sou capaz de lutar com a consequência e isso eu sei que você sabe, apenas aceitar não é o bastante, é preciso superar diariamente. Foi assim que você me ensinou a ser forte e é dessa forma que eu vou dar o meu melhor por você.
 
Tenho muita coisa para te contar sobre esses anos, mas nosso tempo acabou. Acho que consigo escrever de forma breve para que você não fique sem saber do principal: 
 
Engraçado, atencioso, carinhoso;
R
esponsável pelo que eu sou;
N
unca será esquecido;
E
spero pelo dia em que vamos nos reencontrar;
S
into demais a sua falta;
T
udo o que eu conseguir vou dedicar a você;
O
brigada por tudo!
(Juliana 10/07)
 

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